Nunca
fui um exímio poeta, nem tão pouco um leitor voraz de poesias.
Entretanto, não me sinto incapaz de apreciá-las. Talvez, assim
desenvolvo outras áreas do meu eu, que a prosa não atinge. A poesia
de Cristiane Sobral me pegou pelo pé, ou melhor, pela raiz dos
cabelos. “SÓ POR HOJE VOU DEIXAR O MEU CABELO EM PAZ”.
O
leitor desavisado e preconceituoso deverá tomar cuidado. O livro, de
título potente, retrata encontros. Retrata o encontro do leitor com
o eu negro, com o eu humano e negro. O poema que intitula o livro faz
um convite. Despe
tu de todo o preconceito e reconheça a si como um alguém, sem medo
do julgo dos outros. O
cabelo é nossa força, impacta em nossa autoestima, por isso, penso
o quanto a autora foi feliz ao escolher esse título.
Cristiane
Sobral caminha muito além do discurso racial. Sua obra, uma
literatura humanizada que aborda temas universais. A existência, o
amor, o eu poético, a sociedade, a emancipação da mulher, a
ancestralidade.
“Apenas
uma gota de sangue” questiona nosso desejo de pertença, nosso
desejo de ocupar lugares que nos são negados. “Reflexo” destaca
nossa capacidade e importância de nos reconhecermos no outro, em
nossos pares, em nossos ídolos.
Ah,
o sofrimento e a ausência expressos em “Quando a mãe morre muito
cedo”. Sofrimento esse que, sem
escrúpulos rouba a infância de uma criança. Com essas dores, “A
Menina” que mora em mim esconde-se, deixando-nos sós nessa difícil
vida de adulto.
“Amor
de mãe e o princípio da eternidade” nos faz refletir o quanto
continuamos em nossos filhos e filhas. O quanto somos continuação
de nossos pais, de nossos ancestrais.
“Amei”,
“Tente me amar”, “Com
gosto de neve”, sem remorso e com desejo. O amor está aqui, nessas
estrofes, versos que derramam nosso desejo de ser amado, sem medo,
sem hora de partir. Nesse mundo, tão gélido de sentimentos, o
amor-sobraliana grita: - AME – e sejamos eróticos, sejamos
sensuais como “Orquídea deitada”.
Como
rainha
da justiça, Sobral nos apresenta questões sociais. Da hipocrisia de
nossos representantes políticos - “Cidade Playmobil -; passa
pela meritocracia em “Animalia”; e chega ao direito e a força da
mulher “Inoxidável” em “Vôo Livre”.
Arrisco-me
a falar de metalinguagem. A poesia de “Suplemento para a alma”,
“A mão e a luva”, Nascituro fala dela própria, da poesia e da
poetiza.
Cristiane
Sobral, sem pedantismo ou superficialidade, nos entrega em “SÓ
POR HOJE VOU DEIXAR O MEU CABELO EM PAZ” uma
obra completa, profunda e humana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário