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domingo, 10 de janeiro de 2021

Um olhar pedagógico sobre RATATOUILLE


Ratatouille. Direção de Brad Bird. Estados Unidos: Pixar, 2007, 115 min, son., colorido.

Lançado em 2007, Ratatouille, animação produzido pela Pixar, foi dirigido por Brad Bird. Destaco as vozes de Lou Romano (Liguini), Patton Oswalt (Remy) e Bradd Garrett (Gusteau) e Janeane Garofalo (Colette). Com 115 minutos de duração, o filme recebeu a classificação de animação, comédia, família e fantasia.

Um rato chamado Remy sonha em se tornar um grande chef, apesar dos desejos de sua família e, o problema óbvio de ser um rato em uma profissão, onde todos, decididamente, possuem fobia de roedores. Quando o destino coloca Remy nos esgotos de Paris, ele se encontra embaixo de um restaurante que ficou famoso por seu herói culinário, Auguste Gusteau. A paixão de Remy por cozinhar logo coloca em movimento uma hilária e empolgante corrida de ratos que vira o mundo de Paris de cabeça para baixo.

Remy tem um excelente dom, o olfato apurado. Na fazenda onde mora, o melhor trabalho que consegue é o de ser detector de veneno de rato. Em suas horas vagas, escapa para a casa da dona da fazenda, onde assiste ao programa culinário de Auguste Gusteau.


Em uma de suas escapadelas até a cozinha, é descoberto e na desesperada fuga, acaba chegando a Paris e ao Gusteau's, restaurante de seu ídolo. De forma inusitada, ele faz uma parceria com Liguini, um simples ajudante e começa a trabalhar como cozinheiro.


Quando toda a farsa é descoberta, o crítico gastronômico Anton Ego, faz uma linda reflexão sobre o trabalho de um crítico e abre um bistrô, com nada mais que o rato Remy como Chef de cozinha.


A história chama atenção pelo caráter pedagógico do enredo. O lema de Auguste Gusteau, “Qualquer um pode cozinhar”, nos revela que todas as pessoas possuem habilidades para fazerem coisas, quaisquer coisas. Ninguém é incapaz. Com perseverança, estudo e dedicação, podemos atingir nossos objetivos.


Remy persevera na cozinha. Sem um curso formal de gastronomia, ele aprende a cozinhar graças ao livro de Gusteau e aos programas culinários que assistia. Podemos classificá-lo como autodidata. O rato Remy torna-se um cozinheiro, mediante a uma educação não formal, longe de uma instituição de ensino.

Segundo Lévy (2010, p. 177), o sistema de diplomas é inadequado nos dias de hoje. A cibercultura provoca mudanças, como a transição de uma educação e uma formação estritamente institucionalizada para uma situação de troca generalizada dos saberes. O ensino da sociedade passa a ser feito por ela mesma, de reconhecimento autogerenciado, móvel, contextual das competências. O saber adquirido de foma não formal também precisa ser consagrado.

É evidentemente para esse novo universo do trabalho que a educação deve preparar. Mas, simetricamente, é preciso admitir também o caráter educativo ou formador de numerosas atividades econômicas e sociais, o que certamente coloca o problema de seu reconhecimento ou validação oficial, o sistema de diplomas parecendo cada vez menos adequado. Além disso, o tempo necessário para homologar novos diplomas e para constituir os cursos que levam até eles não está mais sincronizado com o ritmo de evolução dos conhecimentos. (LÉVY, 2010, p. 177)


Em Ratattoulle, a competência de Remy, tantas vezes questionada pelo chef Skinner, é admitida pelo público e pelo crítico Anton Ego. É a imensa fila de espera do restaurante Ratattoulle que demonstra a competência de Remy como um chef e não um diploma.

Isso não desqualifica o reconhecimento oficial, mas atribui, segundo Lévy que toda a aquisição de competências deve poder dar lugar a um reconhecimento social explícito. A aceitação dos saberes poderia favorecer o desenvolvimento das formações alternativas e de toda as formações que atribuíssem um papel importante à experiência profissional.

Sendo assim, poderíamos reescrever a frase de Gusteau para: “Qualquer um pode aprender”. E esse aprendizado deve ser reconhecido independente do título que o acompanha.

Referencias bibliográficas:

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

FORLANI, Marcelo. Crítica: Ratatouille. Disponivel em: https://www.omelete.com.br/filmes/criticas/critica-ratatouille. Acesso em 10 jan. 2021.

PIXAR. Ratatouille. Disponivel em: https://www.pixar.com/feature-films/ratatouille/. Acesso em 10 jan. 2021.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Educação para “vir-a-ser”


Investir em educação seria a solução para as constatações de José Mujica e Achille Mbembe? Contrapondo o capital, poderemos salvar nossa “vir-a-ser” humano em meio a luta desenfreada pelo “vir-a-ter”?

Segundo o relatório de 2018 da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations, a fome aumentou no mundo nos últimos três anos, porém ao compararmos com dados de 2005, a América Latina e Caribe conseguiu reduzir o quadro de desnutrição. Deixamos a marca de 9,1 % de subnutridos em 2005 para 6.1 % em 2017. Destaco a América do Sul que atingiu a marca de 5 % de pessoas subnutridas em 2017.

Esses números, apesar de ainda calamitosos, refletem as políticas de divisão de renda e combate a fome implementadas nesses anos para o combate e a redução da fome como: Fome Zero (Brasil), o Plano Nacional de Alimentação e Nutrição (Colômbia), os programas de segurança alimentar (Venezuela).

Dados como esse justificam as palavras do ex-presidente uruguaio José Mujica em entrevista dada a BBC: “Conseguimos, até certo ponto, ajudar essa gente (pobres) a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos.”
Mujica reflete que as políticas ajudaram uma pequena parcela da população a deixar a extrema pobreza, por ser algo urgente, por ser algo imediato em nossas consciências. Entretanto, para o ex-presidente não resolvemos nossos problemas mais básicos, o que resulta em condições brutais de vida.

Do ponto de vista político, o historiador, pensador pós-colonial e cientista político Achille Mbembe nos alerta que a era humanista está no fim. “Outro longo e mortal jogo começou. O principal choque da primeira metade do século XXI não será entre religiões ou civilizações. Será entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo, entre o humanismo e o niilismo”.

Mbembe destaca que a noção humanística e iluminista do sujeito racional capaz de deliberação e escolha será substituída pela do consumidor conscientemente deliberante e eleitor. Essas pessoas, com seus valores arruinados pelo capitalismo neoliberal estão convencidas que seu futuro imediato será uma exposição contínua à violência e a ameaça existencial.

Deixamos de ter valores, afetos e racionalidade para ter dinheiro e comprar tudo aquilo que achamos necessário. Nos fundamentamos e construímos naquilo, que materialmente, consumimos. Os valores tradicionais tornaram-se infundados e a existência perdeu o sentido. Como consumidores, abandonamos o “vir-a-ser” para “vir-a-ter”, nos tornamos inumanos.

O princípio da filosofia Ubuntu me leva a refletir que temos uma saída para as dificuldades apontadas por Mujica e Mbembe. Para Ramose, 1999, ser humano é afirmar a humanidade por reconhecimento da humanidade de outros e, sobre essas bases, estabelecer relações humanas com os outros. Essa base de pensamento precisa ser incorporada à educação.

Ubuntu entendido como ser humano; um humano respeitável e de atitudes cortezas para com outros pode e deve se tornar uma base das relações humanas. Uma base que alicerce a pedagogia para que deixemos de construir consumidores-eleitores para desenvolver cidadãos conscientes de si e dos outros. Cidadão que tenham consciência de sua autonomia.

A educação que desenvolve a autonomia do pensar certo, leva ao fazer certo. Freire, 2016, insiste que a educação e todos aqueles que dela fazem parte, precisam assumir um pensar e fazer com ética. Em nossas escolas estamos criando consumidores ou cidadãos?

A escola, pública ou privada, pautada em valores éticos pode vir a ser o contraponto ao “vir-a-ter”. O investimento na educação formal e não formal que valorize ideais humanísticos e de consciência autônoma do “vir-a-ser” porque o outro é, sendo assim, somos, ou seja, a educação-ubuntu, pode ser uma saída para esse quadro tão desprovido de valores e artificialmente imposto pelo neoliberalismo.

Referencias bibliograficas


FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. 2018. The State of Food Security and Nutrition in the World 2018. Building climate resilience for food security and nutrition. Rome, FAO. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.

Ramose, Mogobe B. African Philosophy Ubintu. Harare: Mond Books, 1999, pag. 49 – 66. Tradução Arnaldo Vasconcelos.

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire – 53ª ed. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

Mattei, Lauro. POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À FOME NA AMÉRICA LATINA: evidências a partir de países selecionados – PESQUISA & DEBATE, SP, volume 19, número 1 (33) pp. 85-101, jan./jun. 2008.1.