Almoçava no restaurante da empresa. O de sempre, alface, tomate, carne, arroz e feijão. Estava saboroso e entre uma garfada e outra alguém reclamava da empresa ou do setor. O assunto estava cansativo. Todos os dias, nos perdíamos na mesma “chorumela”.
Resolvi falar um
pouco da palestra que assisti sobre o Dia da Consciência Negra, na sede da OAB em
Belo Horizonte. Nesse momento, um amigo pergunta-me o que eu achava das
propostas de Fernando Holiday: combate ao vitimismo, fim das cotas raciais e
revogação do dia da Consciência Negra.
Surge, em minha
mente, a passagem do livro “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria
Gonçalves. Na obra, ela ressalta a pele retinta dos carcereiros nos tumbeiros.
Pretos escravizando e vendendo pretos. Automaticamente, me lembro das aulas
sobre o projeto escravocrata brasileiro, no qual capitães do mato e feitores
também eram negros. O primeiro “ganhava a vida” caçando escravos que ousavam
fugir e buscar a liberdade. O último era o braço do senhor branco que aplicava
as chibatadas e outros castigos nos escravos insatisfeitos com sua condição
sub-humana.
São Ana Maria
Gonçalves e Darcy Ribeiro que me ajudaram a formular uma resposta àquela
pergunta. Talvez por medo, ou por entender que ao ser o porrete que submete o
escravo ao poder do branco, esses capitães do mato e feitores garantiam sua
própria sobrevivência. Talvez, nesse momento, esqueciam que eram filhos da
mesma raça de pele negra. Eles se sentiam menos negros, quase brancos.
Ribeiro, em “O povo
brasileiro” ainda me conduz por outro pensamento. Para ele, quando um
brasileiro deixa uma classe social mais baixa, seja através do enriquecimento
ou por assumir um cargo considerado de maior importância, ele não é bem
recebido. É visto como um corpo estranho, como alguém que não deveria estar
ali. É discriminado. Elucido melhor o conceito de Ribeiro. Seria dizer que pelo
simples fato de uma pessoa pobre e negra ganhar na loteria, não a torna
pertencente à elite brasileira branca.
Entretanto, conforme
Ribeiro, a pessoa que emergiu precisa de relações dentro daquela classe,
precisa frequentar os mesmo lugares, ouvir as mesmas músicas, precisa ser vista
como um deles. A chance que essa pessoa possui de ser aceita é adequar-se ao
discurso vigente daquela classe e negar a sua origem. É incorporar e falar a
palavra daquele grupo social. Repetir os mesmos preconceitos e discriminar
aqueles seus companheiros de outrora.
Por outro lado,
poderia resumir todo meu pensar acima em uma única frase. Qualquer pessoa, negro, indígena ou branco tem o direito de concordar
ou discordar de uma questão. Sendo assim, o mote de campanha de Fernando
Holiday seria tido como algo que surgiu dele? A opinião individual dele? Nesse
caso, devemos avaliar é como, quais os fatores, quais pensamentos que ele foi
exposto em sua pequena trajetória de vida para direcioná-lo na construção de
seu mote de campanha e tornar-se o capitão do mato que atenta contra as conquistas que os negros tiveram nos
últimos anos.
Tenho tentado refletir sobre o fato de que apesar do considerável aumento do número de negras e negros no ensino superior, graduados e pós graduados, ocupantes de cargos de certa relevância e incidência política, não temos conseguido produzir efetivas mudanças nos pontos mais nevrálgicos do status quo, como a violência em suas variadas facetas econômicas e sociais. Até quando capitães do mato e feitores, pardos que só acabam por não pertencer a lugar algum?
ResponderExcluirUma pergunta difícil de responder Girassois. Acredito que esses capitães sabem o lugar que pertencem. Um lugar deturpado e sem empatia com as necessidades da comunidade negra.
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