sábado, 7 de janeiro de 2017

Meu coração tem cor


Quando assisti Rosa Choque, espetáculo dirigido por Cida Falabella e estrelado por Cris Moreira e Guilherme Théo, algo tinha que mudar em mim.

A peça propõe ao público uma reflexão sobre a identidade e a representatividade que o gênero possui em nossa sociedade. Suas passagens me levam até Simone de Beauvoir que diz: ”...ninguém nasce mulher, torna-se mulher.” Mostra como nossas identidades são forjadas, impressas com o ferro quente, cultural, em nossos psicológicos. Somos socialmente moldados.

No discurso de gênero, percebo o quanto somos direcionados a nos tornarmos machistas e misóginos. Destinamos as roupas azuis para os meninos e as rosas para as meninas ao nascerem. Desde cedo, as garotas aprendem a cuidar de um bebê em suas brincadeiras com bonecas. Já os garotos, afastados dessas possibilidades, são incentivados a lutarem, serem fortes e nunca chorarem.

Certa vez, quando criança, observava minhas irmãs brincarem. Cada uma tinha um papel: mãe, empregada, filha. Entretanto, faltava-lhes um integrante: o pai. Fui convocado a participar naquele papel e perguntei o que deveria fazer. Quem personificava “A mãe” respondeu: “Ora, você vai trabalhar e conseguir dinheiro”.

Um simples divertimento de faz-de-conta reflete todo o pensamento de uma sociedade. A mulher é o “sexo frágil”, dependente emocionalmente e financeiramente do homem, o provedor. Será que não poderia ser o contrário? O homem cuidaria das tarefas domésticas, enquanto a mulher obtinha o sustento?

Inverter as funções não é tarefa fácil. É combatida com uma enxurrada de frases feitas e tradições arraigadas durante séculos: “Isso é coisa de menina”; “Instinto materno”; “Mulheres tem tino para trabalhos domésticos”; “Homem não faz nada direito”.

Percebi-me nessa armadilha social algumas vezes. Assim que passei a morar sozinho, escutava que, como um homem, seria incapaz de cuidar de uma casa. As palavras aludiam que manter meu apartamento limpo, organizado, cozinhar e passar roupas fossem tarefas incompatíveis com o meu falo.

Foi preciso desconstruir muitos conceitos. Não me tornei mais, nem menos homem ou mulher por lavar o meu banheiro. Pelo contrario, acredito que me tornei mais humano, mais aberto a dividir as noites de insônia forçada quando o meu filho nascer. A entender que não são as cores, azul ou rosa que determinam minha sexualidade.

Como anunciei no inicio desse texto, algo em mim mudou. Meu coração agora é rosa choque.

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