terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Nem todos os negros, são negros


Almoçava no restaurante da empresa. O de sempre, alface, tomate, carne, arroz e feijão. Estava saboroso e entre uma garfada e outra alguém reclamava da empresa ou do setor. O assunto estava cansativo. Todos os dias, nos perdíamos na mesma “chorumela”.

Resolvi falar um pouco da palestra que assisti sobre o Dia da Consciência Negra, na sede da OAB em Belo Horizonte. Nesse momento, um amigo pergunta-me o que eu achava das propostas de Fernando Holiday: combate ao vitimismo, fim das cotas raciais e revogação do dia da Consciência Negra.

Surge, em minha mente, a passagem do livro “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves. Na obra, ela ressalta a pele retinta dos carcereiros nos tumbeiros. Pretos escravizando e vendendo pretos. Automaticamente, me lembro das aulas sobre o projeto escravocrata brasileiro, no qual capitães do mato e feitores também eram negros. O primeiro “ganhava a vida” caçando escravos que ousavam fugir e buscar a liberdade. O último era o braço do senhor branco que aplicava as chibatadas e outros castigos nos escravos insatisfeitos com sua condição sub-humana.

São Ana Maria Gonçalves e Darcy Ribeiro que me ajudaram a formular uma resposta àquela pergunta. Talvez por medo, ou por entender que ao ser o porrete que submete o escravo ao poder do branco, esses capitães do mato e feitores garantiam sua própria sobrevivência. Talvez, nesse momento, esqueciam que eram filhos da mesma raça de pele negra. Eles se sentiam menos negros, quase brancos.

Ribeiro, em “O povo brasileiro” ainda me conduz por outro pensamento. Para ele, quando um brasileiro deixa uma classe social mais baixa, seja através do enriquecimento ou por assumir um cargo considerado de maior importância, ele não é bem recebido. É visto como um corpo estranho, como alguém que não deveria estar ali. É discriminado. Elucido melhor o conceito de Ribeiro. Seria dizer que pelo simples fato de uma pessoa pobre e negra ganhar na loteria, não a torna pertencente à elite brasileira branca.

Entretanto, conforme Ribeiro, a pessoa que emergiu precisa de relações dentro daquela classe, precisa frequentar os mesmo lugares, ouvir as mesmas músicas, precisa ser vista como um deles. A chance que essa pessoa possui de ser aceita é adequar-se ao discurso vigente daquela classe e negar a sua origem. É incorporar e falar a palavra daquele grupo social. Repetir os mesmos preconceitos e discriminar aqueles seus companheiros de outrora.

Por outro lado, poderia resumir todo meu pensar acima em uma única frase. Qualquer pessoa, negro, indígena ou branco tem o direito de concordar ou discordar de uma questão. Sendo assim, o mote de campanha de Fernando Holiday seria tido como algo que surgiu dele? A opinião individual dele? Nesse caso, devemos avaliar é como, quais os fatores, quais pensamentos que ele foi exposto em sua pequena trajetória de vida para direcioná-lo na construção de seu mote de campanha e tornar-se o capitão do mato que atenta contra as conquistas que os negros tiveram nos últimos anos.

2 comentários:

  1. Tenho tentado refletir sobre o fato de que apesar do considerável aumento do número de negras e negros no ensino superior, graduados e pós graduados, ocupantes de cargos de certa relevância e incidência política, não temos conseguido produzir efetivas mudanças nos pontos mais nevrálgicos do status quo, como a violência em suas variadas facetas econômicas e sociais. Até quando capitães do mato e feitores, pardos que só acabam por não pertencer a lugar algum?

    ResponderExcluir
  2. Uma pergunta difícil de responder Girassois. Acredito que esses capitães sabem o lugar que pertencem. Um lugar deturpado e sem empatia com as necessidades da comunidade negra.

    ResponderExcluir